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O dia que mudou a minha vida

  • Foto do escritor: Uiara Mei
    Uiara Mei
  • 19 de mar.
  • 8 min de leitura
ATENÇÃO
Todos os direitos reservados. Esta obra é protegida pela legislação de direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida, distribuída ou utilizada de qualquer forma sem autorização expressa dos autores e do Narrativa Introspectiva.

Este conto coletivo foi desenvolvido como parte de uma dinâmica criativa para escritores independentes, incentivando a autenticidade e o posicionamento no mercado literário. Cada palavra aqui contida reflete a dedicação dos participantes e o compromisso com a arte de contar histórias.



Naquele dia, tudo parecia normal. O sol nasceu no mesmo horário, o café tinha o mesmo gosto amargo de sempre. Mas bastou uma ligação, um olhar ou uma frase para que sua vida nunca mais fosse a mesma.

— Coragem — murmurou para si após desligar o telefone.

Com a xícara de café amargo em mãos, caminhou até o canto da sala, tentando processar a notícia que acabara de receber. Um telefonema inoportuno. Talvez tivesse sido melhor ter ido regar as plantas — que sofriam há dias sem uma gota d'água — do que ter se levantado despretensiosamente e atendido com um simples "Quem é?".

— Como pode ficar pior? — suspirou ao perceber que o café havia acabado. — Tudo acaba um dia, ninguém é eterno.

Olhou através da janela a rotina caótica daquela cidadezinha que insistia em crescer sem estrutura, sem planejamento, um verdadeiro caos social. Saiu da inércia, foi até a cozinha, largou a xícara na pia e encarou o teto, tentando organizar os próximos passos.

Decidiu tomar um banho. Entrou no box, ligou o chuveiro e ali ficou por alguns minutos, apreciando aquele momento de paz. Mas os pensamentos não cessavam. Organizar a agenda. Organizar a vida. Desligou o chuveiro, enrolou-se na toalha e foi para o quarto.

Abriu a cortina. Abriu a janela. Deixou o sol entrar. Luz natural.

Deitou-se na cama e a notícia recebida pelo telefone martelava em sua mente, como uma lista de compras onde cada item precisava ser lembrado, onde todas as vírgulas eram importantes.

— Merda — deixou escapar.

Virou-se para o lado, observando a linha solar que tocava o lençol com precisão, deslizava pela parede e descansava no chão do quarto. Deixou-se perder nos próprios pensamentos. O que seria mais sensato fazer agora?

Ainda que permanecer em inércia na cama fosse sua maior vontade, sabia que não adiantaria esperar aquilo passar. Não. Precisava resolver seus problemas, como sua mãe havia lhe ensinado quando era mais jovem. Uma dica importante que ela lhe dera era o de entrar em contato com a natureza. Ela dizia: sempre que estiver em dúvida sobre algo, olhe para o céu, contemple os pássaros, eles nunca têm dúvidas e sabem o que fazer.

Suspirando, levantou-se em direção à janela novamente. Sabia que não havia muito o que apreciar naquela cidade, mas tentava encontrar algum conforto ou resposta na pergunta que ainda sequer havia feito.

Nunca havia lidado com uma situação como aquela. Era algo completamente fora de sua zona de conforto, e por isso ficava tão inseguro sobre os próximos passos. E se fizesse tudo errado? E se aquela escolha custasse sua vida? Pior: e se se arrependesse? Não existia nada pior do que se arrepender.

A voz no telefone ainda ressoava em seus ouvidos. Não era uma voz comum ou conhecida, pelo menos não no primeiro momento. A estática da linha a deixava mais estranha do que deveria ser pessoalmente, e essa era apenas uma de todas as estranhezas que precisou lidar nas primeiras horas da manhã.

Depois de ouvir o canto esganado de um bem-te-vi ao longe, rebuscou em sua memória sobre quem ou o quê aquela pessoa poderia estar falando. Não lembrava de sua mãe ter comentado algo sobre isso em momento nenhum de sua vida.

E então, tudo pareceu fazer sentido.

Movimentou-se até o guarda-roupas e, da parte superior, puxou uma mala, apoiando-a sobre a cama. Deu uma boa olhada na pilha de roupas bagunçadas, hesitou por um momento sem saber o que realmente seria necessário.

Decidiu procurar por meias, alguns casacos e qualquer coisa a mais que pudesse ajudar a se manter aquecido, tão logo chegasse ao seu destino.

Não sabia que tipo de recepção teria, portanto, após amontoar as roupas na mala, acessou um site de buscas para encontrar um local para se hospedar, caso as coisas não dessem certo.

Seu nível de ansiedade estava nas alturas após a ligação que recebera, assim como nem mesmo as dicas de sua mãe conseguiram sustentar seu equilíbrio emocional por muito tempo. Quanto mais tentava pensar com clareza, mais sua mente divagava em vários cenários catastróficos.

Após uma breve conferida na mala em tudo o que precisava levar, puxou o celular do bolso e discou o número emergencial que sempre o acudia em momentos como esse.

— Preciso que faça algo pra mim.
Do outro lado, um silêncio curto, seguido de um pigarro.
— Isso tem a ver com a ligação que você recebeu?
Fechou os olhos. A lembrança daquele telefonema fez um arrepio percorrer a espinha.
— Sim. E acho que isso pode mudar tudo.
Ouviu um suspiro cansado.
— Certo. Mas me diz uma coisa… a gente vai voltar?
A pergunta ficou no ar. Olhou para sua mala, para a luz do sol que ainda cortava o lençol. Engoliu em seco.
— Não faço ideia.

Saiu de casa com a mala em mãos e o coração pesado. O mundo ao seu redor continuava girando, indiferente ao turbilhão dentro de si.

No táxi, encostou a cabeça no vidro, tentando ignorar o medo crescente. Mas então o telefone vibrou.

Mensagem de um número desconhecido.

["Não faça nada antes de me encontrar. Não confie em ninguém."]

Seu sangue gelou. Relembrou cada palavra da ligação. Cada detalhe.

O que diabos estava acontecendo?

O passado retornou como uma tempestade implacável. Como se encarar a morte não tivesse sido suficiente, agora algo ainda maior o aguardava.

O vento frio da noite cortava sua pele enquanto descia do táxi. O prédio à frente era discreto, quase anônimo, como se escondesse segredos que não deveriam ser revelados. Conferiu o endereço no celular mais uma vez. E estava certo, um calafrio percorreu todo o seu corpo.

Respirou fundo, tentando organizar seus pensamentos. A última vez que a viu foi um mar de decepções. Um vazio que jamais foi preenchido. Agora, ela estava ali novamente, trazendo respostas que nunca soube se queria ouvir.

A campainha ecoou baixa quando a tocou. Um longo silêncio que mais pareceu uma eternidade. Por um instante, a vontade de girar nos calcanhares e ir embora gritava em sua mente. Mas então, a porta se abriu.

E lá estava.

Mesmo após tantos anos, ainda parecia a mesma pessoa, mas diferente. Os olhos, antes cheios de promessas, agora carregava um imenso vazio, uma sombra. A linha fina em seus lábios, como se segurasse palavras que queimavam por dentro.

— Você realmente veio... — a voz saiu baixa, com uma surpresa presente.
Soltou um riso amargo.
— Você finalmente ligou — respondeu com sarcasmo.
Abriu mais a porta, hesitante.
— Entra.

Sentiu que deveria recuar. Deveria ir embora. Mas, como antes, não conseguiu se afastar.
Mil pensamentos circulando por sua cabeça. Por que tinha que reaparecer justo agora? O que queria? E, acima de tudo, por que seu coração ainda batia tão rápido em sua presença?

Ao entrar, notou que a sala ainda permanecia da mesma forma como se lembrava, como se o tempo não tivesse passado. Mas havia algo diferente, um ar carregado, que aos poucos sufocava.

— Preciso que confie em mim — a voz cortou o silêncio.
— Engraçado você dizer isso — riu sem humor, cruzando os braços — Depois de desaparecer sem deixar explicações, agora quer que eu confie em você? — arqueou a sobrancelha.
Suspirou, passando a mão pelo rosto.
— Eu fui por um motivo, não se faça de santo. E se estou aqui, é porque você precisa da minha ajuda.
Sentiu um arrepio tomar conta de seu corpo.
— Ajuda com o quê?
Deu um passo à frente, diminuindo a distância entre ambos.
— Lembra quando eu disse que iria embora por um tempo?
— Sim, e como esquecer? Depois que neguei, você desapareceu do mapa. Me abandonou, não se importou com os meus sentimentos!
Fechou os olhos por um segundo.
­— Caramba! Eu sabia que um dia teria que entrar em contato — negava com a cabeça —, mas sinceramente, evitei até onde eu podia.
— Foi você quem quis se afastar!
Avançou um passo, com a voz carregada de raiva e algo mais profundo, algo que se recusava a dar nome.
— Não vem com essa! Foi você quem não quis assumir o que sentia por mim. Eu queria mais do que você queria me dar — apontou. — Você não quis arriscar, então tive que partir para o plano B.
— Você sabe o porquê eu não podia! Sabe muito bem o que estava em risco! Não venha apenas me culpar!
Respirou fundo, sustentando o olhar.
— Ok. E é por isso que você ainda vive.
Por um mero segundo, sentiu um tremor sob seus pés.
— Do que você está falando? — franziu a testa.
— Agora posso te contar a verdade. Mas, depois disso — umedeceu os lábios com a língua — nada mais vai ser como antes.
Sentiu a respiração presa em sua garganta. Sua mente gritava para sair dali. Mas seu coração dizia outra coisa.
— Me conta — murmurou.
Os olhos brilhavam com um misto de medo e colapso.
— Eu sempre te amei. Isso nunca mudou. Mas o que fiz ... foi para te proteger.

E, de repente, tudo começou a fazer sentido.

Um reencontro carregado de tensão, cheio de ressentimento e emoções mal resolvidas. Poderia ser a chave para solucionar o mistério que o rodeava.

— Você pode ao menos me servir algo para beber? — Perguntou, sentando-se à beira da cama, com o pensamento distante no café amargo daquela manhã.

Aos poucos, o segredo foi se desenrolando entre palavras há anos silenciadas. Ele acreditava ter deixado tudo para trás, enterrado no passado. Mas o universo parecia determinado a reabrir feridas. Esse encontro não deveria ter acontecido.

As horas avançavam, consumindo a noite. Enquanto ouvia cada palavra, sua atenção se dividia entre a voz à sua frente e os detalhes do ambiente ao redor — a poeira repousando sobre os móveis, o cheiro de um incenso antigo misturado ao chá que lhe fora oferecido.

— Como pude ser tão idiota? — Questionou-se em silêncio, levando a xícara aos lábios, sentindo o gosto morno e amargo escorrer pela garganta. — Claro que você sabe quem me ligou. Caso contrário, não teria mencionado, logo no início da conversa, que meu contato tinha a ver com a ligação que recebi.

O que mais poderia dar errado? Depois de descobrir uma verdade escondida por anos, bem que a revelação poderia ser algo trivial, como "Você ganhou na loteria". Mas a vida não era tão generosa. Não depois de tudo que haviam compartilhado — as decisões questionáveis, os pactos implícitos, as promessas não cumpridas.

— Desculpe, mas não posso dizer que compreendo tudo que me revelou. O máximo que posso fazer é sair por aquela porta e fingir que nada disso aconteceu. Francamente.

Fez uma pausa. Sua voz soou menos firme na frase seguinte:

— Mas será impossível... Porque, a partir de hoje, tudo mudará na minha vida. Mais uma vez, terei que me readaptar a uma realidade que nunca desejei.

Passou as mãos pelos cabelos, exalando um suspiro pesado. Seus olhos percorreram o quarto uma última vez, como se buscassem uma resposta na penumbra. Mas tudo o que encontrou foi o peso do desconhecido.

AGRADECIMENTO
 
A escrita é uma jornada solitária, mas projetos como este nos lembram do poder da colaboração. Agradeço imensamente a cada escritor que participou desta dinâmica, trazendo sua autenticidade, criatividade e talento para dar vida a esta história. Cada palavra contribuiu para a construção de um conto que reflete diferentes perspectivas, emoções e interpretações de um mesmo enigma. 
 
Ao leitor, nosso sincero agradecimento por embarcar nesta experiência. Esperamos que esta história tenha despertado reflexões, sentimentos e, quem sabe, inspirado novas narrativas dentro de você. 
 
A literatura é um encontro – entre escritores, personagens e leitores. Que esta conexão continue se expandindo! 
 
Narrativa Introspectiva – Despertando escritores para suas próprias vozes. 
 
Atenciosamente,
Uiara Mei

Revisão: Andremis
Produção: Uiara Mei
Escritores participantes: Andremis  @andremisescreve / Franthesca Kally @franthescakally /Fernando Miranda @fernando_mirandaofc / Josimary Giosa @josimary_giosa / Fernanda Frankka @nandafrankka / Uiara Mei @uiaramei


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1 commentaire


Uiara Mei
19 mars

Adorei sugerir esta dinâmica, participar e produzir. Ambas versões são maravilhosas. O mistério se mantém do início ao fim..

Deixem seus feedbacks!

Leia também a outra versão disponível.

Te vejo na próxima página!

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©2025 por Uiara Melo

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